31/08/2022 às 14:08 Entrevistas

Entrevista com Leo Liberti (diretor de videoclipes de Megadeth, Angra, Dee Snider)

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9min de leitura

O diretor de videoclipes Leo Liberti é uma daquelas pessoas que dão orgulho ao Brasil. Isso porque em seu currículo já passaram bandas icônicas como Megadeth, Dee Snider e Angra.

Conversei com Leo sobre os videoclipes recentes do Megadeth que ele dirigiu e também sobre as particularidades de trabalhar com o frontman Dave Mustaine. Boa leitura!

Gustavo Maiato: O videoclipe da música “We’ll Be Back” já está com quase 3 milhões de reproduções. Parabéns! Como foram as gravações?

Leo Liberti: Toda a parte da história foi gravada aqui no Brasil. Já quando a banda aparece, aí não. Quando filmei a música “Lying State”, na época do “Dystopia”, fiquei amigo do Rafael Pensado, que é produtor e assessor pessoal do Dave Mustaine. Então, começamos a ter ideias para contar a história do Vic Rattlehead – mascote da banda.

Como será que ele nasceu? Como isso aconteceu? Queríamos contar essa história em um clipe, mas a coisa cresceu e acabou virando uma série de clipes interligados que contam a origem. Existe um multiverso. Inicialmente, seriam 3 clipes, mas agora serão 6. Essa música foi filmada em Paranapiacaba e em Mongaguá. Também em umas casas em São Paulo.

Tem um lance de jogo de câmera bem legal. Tem que ser tudo realista, sabe? Muitas explosões e tudo. Misturamos o cinema americano com brasileiro, com coisas do cinema europeu. Criamos esse mix de linguagem. O Dave Mustaine gosta dessa questão de mostrar o Exército. O Vic ser um herói de guerra que se sacrificou para um bem maior foi algo interessante.

O Vic era humano, entende? Tem uma pegada arquetípica aí. Ele vai para o mundo dos mortos, se transforma em um semideus. O Rafa diz que ele é demônio para alguns e anjos pra outros. Ele quer trazer a justiça que o homem não fez.

Vocês que estão criando essa história sobre o Vic?

Isso mesmo. Na verdade, a ideia original é do Dave Mustaine, mas ele nos deixou tranquilo para criar a trajetória, escrever roteiros e tudo mais. O Rafa sempre pensou sobre o Vic. Ele tem a essência do personagem, então tudo fluiu muito bem!

Quando vocês mostraram o resultado de “We’ll Be Back para o Dave Mustaine, qual foi a reação dele?

Ele gostou muito! Foi um dia feliz. Sempre ficamos apreensivos com qualquer cliente. Por mais que façamos roteiro, mas é sempre uma surpresa quando nasce a arte final. Sempre respeitamos as ideias, seja do artista ou da marca. Fazemos muita publicidade também. Tem que respeitar a arte e onde ela quer ir. Deixamos fluir e o Mustaine gostou.

Teve alguma sugestão que ele deu?

Esse diálogo sempre acontece. É muito importante. Precisamos ouvir o que ele tem para dizer, porque a obra é dele. O Mustaine é muito envolvido com cinema, então é ótimo ouvir o feedback dele. Todos são muito abertos para ouvir sugestões e melhorar o trabalho.

Ele é muito humilde para ouvir e aceitar as ideias. O pessoal tem uma visão muito errada do Dave Mustaine. Ele é um dos caras mais doces, humildes e que mais respeitam. Ele é muito tranquilo, desde que você o respeite.

Estamos fazendo agora o vídeo da “Life in Hell”. Ele sugeriu que tivesse mais cenas de luta. Ele pediu para tirar um pouco da banda e dele para dar mais ênfase na história. Para justificar melhor a passagem das cenas.

Lá atrás, no “Lying State” e “Conquer or Die”, todos falavam que o Mustaine era difícil. Cheguei lá com maior medo. Achei que ele fosse me bater! Mas ele é tranquilo, gosta de trabalhar e tudo. Os artistas brasileiros são 100x pior e ninguém fala nada. Para com esses mitos, sabe? O pessoal não sabe nada.

As pessoas acham que ele tem uma personalidade forte, né?

Pois é. Essa visão vem por causa das demissões na banda. Mas é aquilo: convive com uma banda por décadas para ver se não terá atrito. É igual casamento. Por melhor que seja a pessoa, vai ter atrito. Pode ter 10 anos de relacionamento e aí separa por um motivo ou outro.

No caso do Megadeth, o Dave Mustaine já chegava com a ideia do clipe e vocês executavam? Ou tinha espaço para propor? Vocês recebiam a música antes para ouvir e ter ideia?

Isso varia muito. No caso do Megadeth foi algo tipo ‘estejam livres para propor e vamos discutir sobre’. A arte não tem uma regra, muito engraçado isso. Não tem regra de produção. Cada um tem uma escola e um jeito. Gosto de equipe enxuta. Pessoas com vários talentos fazendo várias coisas. Fui editor antes e tem uns que não pegam na câmera. Eu gosto. Então cada um tem um jeito. Renan Pacheco, por exemplo, opera steadicam comigo faz 10 anos. É um exímio profissional de steadi, mas não se recusa a ajudar no set se precisar... Aqui ninguém tem o braço curto!

E quando falamos de equipe esquecemos de uma grande retaguarda! Eu sou 100% família em primeiro lugar. Logo tem uma retaguarda na minha casa chamada Érica que me dá segurança com meus filhos pra ir alçando novos vôos. Ela começou a Libertà comigo e decidimos ter filhos, nossa maior benção... Fazer clipes internacionais, grandes coisas só é possível quando se tem essa estrutura por trás.

Quais foram as partes mais desafiadoras do trabalho com o Megadeth?

Essa parte de fazer de forma remota foi tranquila, por causa do Rafael Pensado. Ele matou no peito. O mais difícil foi a quantidade de locações. Nós achamos que todos nos EUA nasceram sabendo cinema. Ou seja, tem essa cobrança por sermos brasileiros.

O fato de uma banda americana chamar um brasileiro para trabalhar... Ficamos tipo: ‘Caramba!’. Essa foi uma dificuldade pessoal. Poxa, brasileiros fazem coisas legais também. Se eles estão chamando, né?

Agora, as viagens são difíceis. Levar as pessoas, é tudo muito cansativo. Todos ficam cansado tanto física quanto mentalmente.

O outro videoclipe que saiu foi da música “Night Stalkers”. Tem uma estética preto e branco. Como foi esse trabalho?

Ele também conta a saga do Vic. Ele está buscando justiça e vai para o reino dos mortos. Ele morreu e foi para o reino de Hades. Tem o Barqueiro lá. Ele acaba entendendo que tem uma segunda chance para voltar à Terra e virar esse ser híbrido – do mundo terreno e dos mortos. Ele pode ir mais profundamente depois, para o Tártaro, para levas as almas.

Hoje em dia, as coisas brigam por tudo. O difícil é ser humano. Ser bicho, temos no DNA. Ele vai então atrás desse macro. Primeiro, ele foi fazer justiça no micro. Ele vai atrás de quem pegou o filho dele. Depois, vai para o macro.

É um multiverso, tipo um X-Men, sabe? Esse personagem, pode continuar com a história para sempre! Pode expandir sempre.

Você trabalhou com o Megadeth no “Dystopia” e agora no “The Sick, the Dying… and the Dead!”. Como você analisa essa evolução do seu trabalho?

Lá atrás, não conhecia as pessoas. Teve essa coisa da união e amizade. Entender quem são as pessoas, não pela boca dos outros. Vi que a equipe do Megadeth tem gente maravilhosa lá dentro. Esse trabalho de equipe foi ótimo. Não eram Power Rangers, sabe? As opiniões dadas são para o bem do trabalho. Aprendi muito essa coisa do respeito ao próximo e ao trabalho.

Falando um pouco sobre seus outros trabalhos. Você dirigiu o clipe “Higher Than Your Heels”, do Electric Mob, que conta com a presença do personagem Boça, do Hermes & Renato. O que você lembra dessa experiência?

Todos eles são figuraças! Adoro o Ben-Hur e o Renan Zonta! Conheci eles pelo Paulo Baron. Ele me indicou e acabei amigo deles. Esse clipe tem o Boça! Foi uma grande zoeira. Foi tipo: vamos nos unir e ver o que dá? Eles gostam muito do Hermes & Renato. Gravamos na porta do estúdio. Foi algo feito bem para o fã.

Quais outros trabalhos você fez?

Eu venho da MTV, depois fui para o sertanejo. Fiz Luan Santana, Maiara & Maraísa, Pabllo. Sou roqueiro, minha alma é metaleira, mas sou eclético! Óbvio que agora comecei a assumir uma linguagem de metal. De filmes de ação e terror, mais violentos. Mas faço de tudo. Já fiz até propaganda de banco. Cada caso é um caso.

Sabemos que existe uma diferença entre as linguagens de um clipe de metal e sertanejo. O que precisa ter em um clipe de metal?

No metal, várias coisas convergem. Adoro filme de terror, suspense e ação. Dá para criar uma linguagem nessa pegada. Usando correções de cor. Tem clipes que faço com essa questão de luta e violência. Sou fã de diretores como Quentin Tarantino e Christopher Nolan. Acabei unindo várias linguagens.

Esse metal mais agressivo que desenvolvo com o Pensado está legal porque as bandas decidiram transformar os clipes em curtas-metragens. Isso é muito legal, é o que quero fazer.

Existem clipes em que alternam cenas da banda com histórias; outros são animações; também existem aqueles que mostram apenas histórias, mas a banda não aparece. Poderia comentar um pouco sobre esses estilos?

Cada banda vai ter um tipo de clipe. Cada diretor e produtora tem uma linguagem. No final, a arte vai emocionar ou não. A pessoa precisa ser impactada, não necessariamente chorar, mas ficar tipo: ‘Nossa, que bacana! Que corte, que energia!’. Tento respeitar a visão de cada banda e respeitar o estilo.

É muito difícil na arte isso de comparar coisas. Não tem como. Não dá para comparar ‘Matrix’ e ‘O Resgate do Soldado Ryan’. Todo videoclipe que expresse a verdade é bem-vindo no meio”.

Qual sua opinião sobre o lyric video? É mais fácil e barato, mas não tem o mesmo impacto...

Acho que é uma das ferramentas importantes para a divulgação do trabalho do artista. Hoje, tudo é muito visual, né? Então, às vezes o artista já lançou dois clipes e não tem mais o dinheiro da gravadora. Tem gente que não tem Spotify ou Deezer, aí ouve pelo lyric video. Tem uns bem legais. Não é um videoclipe, mas é uma baita ferramenta.

Como foi trabalhar com o Dee Snider no videoclipe de “For The Love of Metal”?

Fiz esse e mais dois clipes com ele. Quem me indicou também foi o Paulo Baron. O Rafael Pensado produziu comigo. Ele vai lá e resolve. O Dee Snider é um cara sensacional e visionário. Ele tem um jeito enérgico. Deu carta branca para produzirmos. Isso é engraçado. Parece que os artistas brasileiros vêm com ideias mais fechadas. Os gringos falam: ‘Faz e me surpreenda’.

Algum trabalho nacional que você gostaria de comentar?

Aqui no Brasil, fiz Korzus, Dr. Sin e Armored Dawn. Fizemos o clipe do Angra com a Sandy também, o ‘Black Widow’s Web’. Achei ótimo o Angra se unir com ela e com a Alissa White-Gluz, do Arch Enemy.

Esse clipe fala sobre o problema do vício nas redes sociais. Depois que filmei, fiquei tipo: ‘Estou perdendo meu tempo nas redes’. Óbvio que é uma ótima ferramenta, mas não é totalmente bem utilizada. É igual uma faca, que serve para cortar alimentos ou matar alguém. A faca em si não é ruim, mas o mau uso disso complica.

A Sandy foi sensacional e gente fina. Super entregue para trabalhar, sabe? Ela é super tranquila para dirigir. Já dirigi muitos artistas brasileiros tanto nessa parte musical quanto em publicidade. Ela foi nota 10. Ela estava super chique, com aquela roupa produzida”.

Quais são os melhores videoclipes na sua opinião? Dentro ou fora do metal.

Tem um videoclipe de rock que adoro muito que é da música ‘Greedy Fly’, do Busch. Acho esse trabalho sensacional. Gosto muito de um diretor chamado Wayne Isham, que fez o ‘It’s My Life’, do Bon Jovi, e o ‘I Diappear’, do Metallica. Ele já fez Muse também, demais! Gosto de videoclipes que parecem histórias, cinema, sabe? Esses são sensacionais.

Tem gente que zoa o ‘Holy Smoke’, do Iron Maiden! Para a época, aquele tipo de coisa de mostrar os bastidores foi sensacional. Não podemos comparar coisas de época com a cabeça de hoje. É igual os Beatles, não dá para não citar! Rolling Stones também, são coisas muito boas. É difícil eleger.

Como foi gravar com o Daniel Fonseca, guitarrista brasileiro de apenas 16 anos? Ele acabou indo parar no clipe do Megadeth, que ainda vai estrear!

Foi algo que caiu na minha mão! Queríamos fazer uma releitura do ‘Peace Sells’, que tem um menino no clipe assistindo notícias. Aí a ideia era fazer um garoto dos dias atuais vendo as notícias. O Kiko Loureiro falou que tinha um menino que toca muito bem. Eu não estava com muito tempo, mas quando ouvi, vi que era um menino muito talentoso. Ele tem um estilo e tudo mais. O clipe de ‘Fade Away’ foi um take único! Tenho muito orgulho. Ele tem uma timidez, artística e poética tão escassa nos dias de hoje.


31 Ago 2022

Entrevista com Leo Liberti (diretor de videoclipes de Megadeth, Angra, Dee Snider)

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