11/02/2023 às 13:33 Entrevistas

Entrevista com Adriano Daga (Produtor, Engenheiro de Som e Baterista)

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18min de leitura

Adriano Daga é produtor e engenheiro de áudio e já trabalhou com artistas como Angra, Andre Matos, Silverchair, Kiko Loureiro, Edu Falaschi, Edson e Hudson, Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano, Almah, Ivete Sangalo, Roberto Carlos, Eric Martin (Mr. Big) e Lenny Kravitz.

Além disso tudo, ele também é baterista da banda Malta, que celebra 10 anos em 2024 e promete bastante comemoração! Conversei com ele sobre tudo isso e a íntegra você confere abaixo. Boa leitura!

Como você começou no mundo da música?

Comecei em 1992 como baterista. Eu tinha 10 anos de idade. Era época da fita demo e gravar CD era difícil. Tudo naqueles tempos era mais difícil. Sempre tive banda com meu irmão e em 1996 começamos a frequentar estúdios melhores. Gravamos algumas coisas e fizemos nosso primeiro CD demo. Inclusive, isso aconteceu no estúdio que tinha como sócio os irmãos Busic, do Dr. Sin. Nós éramos fãs já e caímos no estúdio deles. Foi uma baita experiência. Ali percebi que queria essa vida. Me interessei por produção, gravação e engenharia dentro do mundo do estúdio.

Qual o papel do produtor, engenheiro de áudio etc?

Realmente a galera na maioria das vezes não sabe distinguir. Nem sempre o produtor precisa ser engenheiro de áudio e vice-versa. Temos grandes nomes no mercado que fizeram discos que amamos e acontecia isso. O produtor não era engenheiro. Antes, isso era bem mais dividido. Tinha o cara específico para mixar. Nos EUA isso é mais dividido até hoje. Aqui, temos o jeitinho brasileiro [risos]. Temos que fazer tudo! Produzir, gravar, editar, mixar, masterizar! Precisamos nos virar.

Eu comecei como assistente de estúdio, então passei por todos os estágios. Desde limpar o banheiro do estúdio até começar a gravar e aprender a parte técnica. Lá na frente, comecei a descobrir o mundo da mixagem e masterização. No meio disso, fui produzindo as bandas que eu mesmo tive. Também havia bandas que iam para o estúdio e não tinham produtor. Aí, eu acabava ajudando. Eu estava todos os dias lá.

Eu acabo fazendo a produção e engenharia de áudio, porque fica mais fácil para mim visualizar como soará na parte final. Tem gente que prefere separar as coisas. O produto muitas vezes acaba tendo a função de membro da banda, ajudando a escolher repertório. A banda tem um Norte e pede ajuda. Aí, ele dá direcionamento artístico e faz o produto empacotado do jeito certo para a prateleira. Esse é o principal papel do produtor. Mais legal ainda é quando ele consegue fazer a parte técnica ou pelo menos entenda o que está acontecendo. É interessante que ele saiba a parte da engenharia.

Como foi seu trabalho de produtor no Angra?

Essa história é muito legal. Eles são nossa maior banda de metal no segmento deles, que é um power metal com influências de música clássica. Eles foram pioneiros nesses novos estilos. São nossa banda pioneira. Tive várias experiências com os integrantes do Angra de forma separada e também produzi um disco inteiro, que foi o ‘Aqua’. A primeira experiência foi com o Edu Falaschi. Foi em 2003 e era uma música para um anime que ele precisava gravar. Eu não o conhecia, mas ele morava perto do estúdio que eu trabalhava.

Conheci ele e virei amigo do Edu. Trabalhei com ele no primeiro disco do Almah, que leva o nome da banda. Isso foi em 2006. Ele me chamou na casa dele e disse que tinha um monte de música. Pediu ajuda para produção e topei. Esse disco é bem diferente dos outros. O Edu compôs sozinho, até os riffs de guitarra. Era diferente das coisas do Angra. Tiveram participações especiais, como o Edu Ardanuy e o Lauri Porra, baixista do Stratovarius. O baterista do Kamelot na época, Casey Grillo, gravou também. Eu ia pegando os materiais que todos iam mandando e organizava tudo. Produzimos juntos as vozes e fizemos coros. Tem muito experimento legal nesse disco. É uma mistura de música brasileira com outras coisas.

Depois, tive experiência com o Aquiles Priester. Gravei um tributo ao Journey em 2003. Eu era o responsável pela produção, mas rolou um problema com a gravadora e não saiu. Gravei depois uma música com o Hangar, do Aquiles. Nessa época, o Rafael Bittencourt foi gravar um projeto e todos me descobriram! [risos]. Foi uma época muito legal.

Também tive três experiências com o Kiko Loureiro. Fiz a coprodução, junto com o Brendan Duffey, dois discos solos dele. Um teve o Mike Terrana na bateria e o outro com o Virgil Donati. Gravamos inclusive um DVD do Kiko no auditório do Ibirapuera. Foi bem bacana. Tinha um setup com o Virgil e outro que era mais jazz. Foi um grande desafio, mas tenho muito orgulho. A história é longa com o pessoal do Angra. Também conheci o Felipe Andreoli no começo dos anos 2000, quando ele tocava com o Karma, do Thiago Bianchi. Conheci ele antes dele entrar no Angra.

Quais memórias você tem da produção do ‘Aqua’?

Foi uma época meio conturbada. O Ricardo Confessori tinha entrado na banda novamente. A galera estava encrencada com problemas pessoais. Eu e o Brendan ficávamos no meio do turbilhão. Todos os integrantes sabiam muito bem o que queriam do álbum. Cada um tinha um horário e eu ficava o dia inteiro disponível. Eles iam chegando e fazendo suas partes. Fizeram uma pré-produção muito bem definida, então não alterei quase nada na hora de gravar. Não foi difícil, mas também não foi fácil por causa da época que eles estavam passando. Logo depois, o Edu saiu da banda, então o clima não estava muito gostoso.

E como foi seu trabalho com o Andre Matos?

Eu já tinha trabalhado com ele em shows do Shaman e no trabalho solo dele. Um dia, ele apareceu lá no estúdio para fazer a produção completa de um disco, que foi o ‘The Turn of the Lights’, último dele. Era eu e o Brendan na produção e foi muito legal ter participado. O Andre me ensinou coisas que eu nem imaginava! [risos]. A cada conversa que tínhamos, era um aprendizado. Foi muito legal a produção toda. Toda banda se tornou amiga. Eu e o Andre saíamos para comer alguma coisa toda semana. Virou uma família e tenho muito orgulho do disco. O Andre queria que eu colocasse a mão nos arranjos e timbres. Ele queria algo diferente do que costumava fazer. Existem versões de músicas lá e coisas diferenciadas. Vale a pena todos curtirem.

Qual a diferença de trabalhar com a galera do rock ou metal e dos outros estilos mais pop?

Quando comecei a gravar em 1997, percebi que era tão ou mais legal gravar as coisas que não eram só de metal [risos]. Gravei discos gospel, country e sertanejo. Gostava muito e sabia que não poderia me apegar só ao meu gosto pessoal para gravar bem. Comecei a gostar de música de forma geral. Música boa é música boa. Tem coisas que agradam mais, claro, mas sempre me dei bem. De 2000 até 2008, fiz muita gravação de DVD. Devo ter feito 1 ou 2 de metal. Nessa época, gravava-se muito DVD, era algo em alta. Eu cuidava da parte de gravação ao vivo da Gabisom, que é a maior empresa desse segmento do Brasil.

Fiz muitos trabalhos legais lá e não era só gravar DVD. Também fiz transmissão ao vivo com mixagem para TV. Estava começando o som 5.1 nessa época. Em 2006, fiz o Rock in Rio Lisboa, que é considerado como uma das primeiras transmissões ao vivo de mixagem em 5.1 para toda a Europa. Tinham bandas gigantes como Shakira, Guns N’ Roses, Sting e Red Hot Chili Peppers. Essa experiência me fez saber conviver mais ainda com toda essa diversidade de estilos.

Nesse Rock in Rio 2006, como foi trabalhar com bandas tão diferentes?

Isso é muito legal. Eu sei que o som do bumbo do Guns N’ Roses é completamente diferente do som do bumbo da Shakira, sabe? Isso vale para a caixa, voz e para a colocação das coisas no palco. O interessante é que como são bandas com estruturas gigantes, existe um protocolo de canais, ordem do que vem primeiro, input list etc. Quando tocam no Rock in Rio, todas as bandas têm uma organização muito legal. Eu ficava ligado nessa organização e tirava o som. Cada um era um aprendizado para mim. O Roger Waters, por exemplo, veio com 90 canais! Tinha coral, duas baterias etc. Depois, fui entendendo que tudo estava já de uma forma para eu não errar ou ser menos arriscado fazer alguma barbeiragem.

Muitos artistas iam com esse terceiro técnico, que é o técnico de mixagem de broadcast. Agora, 80% não levava, então eu mesmo fazia. Às vezes, vinha um produtor da banda dar uma olhada para ver como estava ficando e dava toques. Eu estava mixando uma vez aquela banda Anastacia, que é apadrinhada pelo Sting. Eu que estava fazendo a mix em 5.1. Eu estava em um contêiner do lado dos camarins. Do nada, bateu na porta o Sting! Ele pediu para sentar do meu lado! [risos]. Eram coisas que aconteciam. A galera ficava olhando. Era um contêiner bem equipado. Entrou a galera do Red Hot, do Guns, Shakira etc. Todos ficavam curiosos!

O Rock in Rio deve ser muito complexo de ser produzido. Como funciona a mixagem de áudio nesse fluxo de mudar de uma banda para outra muito rápido?

Não tem perrengue no Rock in Rio porque todos são muito experientes e com protocolos bem definidos. O que acontece é que nesses festivais grandes eles passam o som muito cedo. Começava a passar 6h da manhã. Eu revezava com meu assistente e outro cara. A primeira banda a passar o som seria a última a tocar na noite. Que ia entrar 1h da manhã. Era de trás para frente. A última a passar som era meio dia. O portão abria 13h. Essa que passou por último deixava tudo montado. Existe uma logística para tudo. Tem a coisa dos cabos, praticáveis de bateria, por onde eles saem etc. É uma logística bem animal. É legal de ver.

Qual foi a mais complexa de trabalhar?

O Roger Waters foi uma das mais complicadas. Era muita gente no palco, tinha um telão diferenciado. Tinha um helicóptero que ficava rodando em cima. Foi bem complexo, mas deu tudo certo! Agora, quando o Guns N’ Roses foi começar, teve a situação com o Axl Rose. Estava quase na hora de ele entrar e eu estava na porta do nosso contêiner. O Guns estava no palco já e o Axl nada! Para variar! [risos]. Eu fiquei esperando, não tinha por onde ele passar. Do nada, ele desce em um helicóptero. Os caras entregaram o microfone para ele no helicóptero e ele saiu correndo para o palco! [risos]. Estávamos perto da rampa do palco e na hora soltaram a introdução.

Você levou o Grammy Latino em 2005. Como foi essa história? Os profissionais brasileiros são respeitados lá fora?

Os brasileiros sempre foram bem no Grammy. Nós concorremos no Grammy Latino, mas também concorremos no mundial. É a mesma academia. Em 2004, fiz um DVD de uma cantora gospel super querida que é a Soraya Moraes. Tenho muito orgulho do prêmio, porque fiz a pré-produção até com a banda. Levamos coisas pré-gravadas para facilitar a logística da gravação. Foi gravado no antigo Olympia. Nesse DVD, fiz a captação no dia, edição, mix e master! Também tive outras dez indicações ao Grammy e tomara que esse ano também tenha!

Como você vê o rock dentro do Grammy Latino?

Não sei bem todas as categorias que o rock faz parte, mas tem categorias como cristã, se é em português ou espanhol etc. Todo ano temos bandas nacionais revelações que levam categorias e são de rock. Eu com a Malta concorri em algumas categorias já. Foi um esquema bem bacana.

Por falar em Malta, quais são os planos da banda? Vocês estão completando 10 anos!

Sim, ano que vem fazemos 10 anos e deve rolar uma turnê especial. Precisamos trabalhar muito para isso. Estamos com um vocalista novo, que é o João Gomiero. Ele é um cara que entrou e fechou nosso quebra-cabeça! Encaixou muito bem. Inclusive, gravamos um álbum com ele, mas não lançamos inteiro. Soltamos 3 músicas aos poucos. Fizemos uma turnê para aquecer e demos uma pausa para concentrar no lançamento do disco. Terão inéditas e regravações. Em novembro, saiu uma música nossa em parceria com o Rosa de Saron. Agora, estamos concentrados para lançar material inédito.

Em 2014, a Malta participou do reality show “Superstar”, da Globo. Como foi essa experiência? Qual a importância desse tipo de programa para o rock?

Acho que o rock nunca deixou de ser grande. Infelizmente, temos poucas bandas de rock mais populares. Não entro no mérito se são boas ou não, mas poucas são populares como Capital Inicial, Skank ou Jota Quest. A Malta veio com bastante coisa popular e tem sim esse mercado. Agora, ainda existe uma resistência da galera. Talvez não dessa nova geração, mas a minha geração e a anterior. É uma resistência ao rock que se conecte com uma galera que também gosta de sertanejo ou curte outro estilo. As pessoas têm um preconceito com isso. Enquanto não perdermos isso, vamos deixar de ter grandes bandas de rock nacional.

Nos anos 1980 e 1990, tivemos movimentos bacanas com as bandas de Brasília. Foi um movimento legal porque assa galera falava o que a grande massa queria ouvir e falar. Isso foi deixado de lado. Não estou falando de letras de protesto, mas canções românticas. Letras que as pessoas consigam se identificar. Acho que falta repertório para as bandas do rock nacional.

Você lembra alguma dica que deu para algum artista na hora da produção?

Eu prefiro sempre resolver tudo na pré-produção. Agora, existem casos que mesmo assim a banda entra no estúdio querendo mudar coisas. Esse foi o caso do Andre Matos. Ele fazia questão que os outros músicos compusessem e trouxessem músicas. Isso favorece o disco, para não ficar tudo muito parecido. Não me lembro de uma recomendação no meio do caminho!

Acho que na hora da gravação existe uma energia. Não rola ficar discutindo para gravar. O clima tem que ser leve. Uma coisa que sempre tomei cuidado é deixar o clima leve. Muitos chegam nervosos e inseguros. Tem que deixar o cara se habituar. É um momento complicado, principalmente para quem vai cantar.

Como foi a história da mixagem da transmissão ao vivo do Slash no Multishow?

Toda vez que o Slash veio, trabalhei com ele! Aliás, agrado ao pessoal da Free Pass pela confiança no meu trabalho. Nas primeiras vezes, fiquei de produtor geral. Se precisassem de algo, eu estava por ali. Na segunda vez, o pessoal falou que precisava de alguém para transmitir na Multishow o show que ele ia fazer. Todos me conheciam e eu já tinha acompanhado uma turnê deles. Eu conhecia o repertório também, então foi maravilhoso. Mixei ele ao vivo. Foi uma responsabilidade grande! O mais legal foi almoçar no dia e o Slash sentando do meu lado! [risos]. Não conversei porque não tinha muito o que falar! Ali é um momento que não é a hora, né? Fui muito elogiado, o próprio técnico do Slash e o pessoal da banda veio ouvir. Eles adoraram! O Myles Kennedy veio falar comigo! Todos muito profissionais. O show tinha quase 3 horas de duração e as passagens de som eram cedo. Eles ficavam 3 horas tocando na passagem! Como que aguentavam mais 3 horas de show? Eles não tinham mais 20 anos de idade! [risos].

E como foi seu trabalho produzindo o Jeff Scott Soto?

Ele virou meu amigo depois! Agradeço até ao Edu Cominato, que toca com o Jeff há muito tempo e fez essa ponte. Eu já tinha feito P.A. para o Jeff aqui e um belo dia o Edu me chamou para trabalhar. Era uma versão de uma música do Michael Jackson. O Jeff adorou a mix e me convidou para mixar o disco que ele estava compondo. Fiz dois discos com ele, o ‘Origami’ e o ‘Retribution’. Quando ele vem ao Brasil, sempre saímos para tomar uma caipirinha!

Qual produtor desses mais icônicos você mais curte o trabalho?

Temos uma série de novos produtores nessa nova geração muito bons. Sempre faço pesquisa de novas bandas. Agora, comecei na produção ouvindo muito os discos do Bob Rock, como o ‘Black Album’, do Metallica e o ‘Use Your Illusion’, do Guns N’ Roses. Para mim, são discos icônicos e soam atuais ainda.

No caso do ‘Black Album’, a produção tem um trabalho visível. Quem assistiu aos documentários do Metallica pode ver que o James Hetfield sempre falava: ‘O Bob pediu para fazer uma voz em cima da minha linha de voz e depois outra harmonia. Nunca tinha feito aquilo!’ [risos]. Quer dizer, ali você vê que o papel do produtor mudou completamente o lance da banda. Isso você vê nos números também. Esse álbum marcou a passagem do Metallica apenas do heavy metal para se tornar popular no mundo inteiro. Eles fizeram baladas e tudo mais. O produtor tirou a banda de uma prateleira menor e colocou em uma vitrine gigante.

Já no caso do Guns N’ Roses, antes do ‘Use Your Illusion’ era uma coisa e depois outra. Eles já estavam estourados, é verdade, mas a diferença da produção é grande. É como se a banda atravessasse uma barreira. Acho interessante essa coisa. Muitos pesquisam nomes de produtor para saber como o cara fez mix. Já eu, gosto de saber qual foi o papel do produtor em fazer a banda passar de um patamar para o outro. Acho um trabalho bem importante do produtor.

Qual disco famoso você gostaria de ter produzido?

Os primeiros do Foo Fighters ou o próprio ‘Use Your Illusion’. No caso do Foo Fighters, o papel do produtor foi fundamental na escolha do repertório. Se você pegar os três primeiros discos, as músicas são muito boas. É um hit atrás de outro. Eles conseguiram virar lendas logo nesse começo! Isso foi fundamental para a trajetória da banda.

Quais outros episódios o produtor alavancou a banda?

Teve uma época que o Blink-182 passou por isso. O primeiro disco tinha músicas boas, mas era meio fraquinho. Eles lançaram então o ‘Take Off Your Pants and Jacket’, que tem o hit ‘Anthem Part Two’, você vê que a banda deu um salto para o mainstream. Isso foi trabalho também do produtor. Esse foi um outro marco para o rock. Existem outros exemplos. O próprio produtor do Angra, o Charles Bauerfeind, no ‘Angels Cry’, teve que fazer uma revolução para fazer a quele som. Nada contra, mas sem isso teríamos mais uma banda de rock nacional cantando inglês. O Angra veio como uma banda gringa.

Qual foi a última grande tendência/evolução dentro do mundo da produção de rock e metal?

Essas coisas acontecem cada vez mais rápidas e são cíclicas. É tipo moda de roupa, elas duram cada vez menos. Tem sido assim na música. Cada ano surge modas diferentes de timbres ou de como entrar o refrão. Em vários estilos, existem fórmulas parecidas. Uma vez por semana, pesquiso tendências que estão saindo. A galera está se superando.

Agora, daqui para frente, é difícil dizer o que acontecerá ao certo. Mas se observarmos o histórico das produções de bandas grandes, vemos que tudo é cíclico. Vivemos a época dos anos 2000, mas hoje em dia, poucos discos de metal são feitos com bateria de verdade. O que não acho um problema, mas criou-se uma tendência. Os tipos de viradas que foram criados pelo fato de o cara não ter que tocar é um jeito diferente. Claro que alguém vai ter que tocar isso ao vivo. Então, criaram-se estilos de metal diferentes por isso.

Não sei se isso vai começar a mudar. As músicas hoje estão com timbres muito parecidos e volumes muito altos. Muitos reclamam e as plataformas de streaming mesmo recomendam que não se mande a master tão alta. Tem gente que acha que é lenda. Talvez a tendência ser soltar mais as coisas. A molecada veio com o djent, que é um metal maluquíssimo! [risos]. Isso já vinha acontecendo, mas o que facilitou a criação desse estilo foi poder conseguir copiar e colar trechos no computador e depois se vira para decorar o que está ali! [risos].

É verdade que as músicas estão cada vez menores e com refrão logo de cara para chamar atenção logo e facilitar para o algoritmo do Spotify e para viralizar no TikTok?

Vejo isso sim. Na verdade, isso é normal. Se você sentar para ver uma palestra e em poucos minutos o cara não te falar alguma coisa legal você levanta e vai embora. Existem essas fórmulas. Tipo, de 40 segundos a 1 minuto, precisa ter acontecido um refrão. A introdução precisa ser pensada para o cara não passar a música. Dentro do rock tem isso também, mas se aplica na música popular.

Não vou falar do Dream Theater, né? [risos]. Mas tem vários discos do Dream Theater que as músicas mais tocadas têm essa fórmula popular, como ‘Another Day’ e ‘Pull Me Under’. O próprio Yes, que é uma das antigas do prog, Rush e Pink Floyd... Todas tiveram músicas mais populares e são as mais ouvidas. Se a banda é progressiva e todas as músicas têm 20 minutos, tudo bem. Agora, se o cara trouxe uma música bonita e ela roda bem tendo 2 minutos e meio, é melhor deixar a música levar a produção. A música tem que favorecer o arranjo e ditar para onde ir.

Você trabalhou com sertanejos como Zezé Di Camargo e Chitãozinho. O que o rock pode aprender com esses caras?

A primeira coisa é o desapego! [risos]. Os artistas sertanejos não querem saber se você vai usar a pele tal na caixa. Eles querem o resultado pronto e cantar. Eles fazem muito bem isso. A galera do rock tem que ouvir e saber que os maiores cantores do nosso Brasil são sertanejos. Falando em números é isso. Se você for em qualquer boteco, deve ter umas 500 duplas tocando por dia. Só uma ou outra será ruim. Agora, nos botecos de rock, uma banda ou outra é boa! [risos].

Isso que está difícil. A galera do rock se empenha tanto em estudar e é muito virtuosa, mas temos poucos cantores de rock que conseguem entender o mundo fora do rock. Temos a galera do Rosa de Saron e Malta e outros vários, claro. No caso da Malta, fizemos um reality para escolher o novo vocalista. Foi uma experiência muito louca. Recebemos quase 800 e-mails. Pedia para as pessoas mandarem cantando. Dá para contar nos dedos os que eu conseguia assistir o vídeo inteiro. Parecia zoeira, sabe? É triste. A gente ri, mas é triste! Se fosse no sertanejo, não saberia qual escolher. As 500 duplas seriam boas. Infelizmente, o problema do rock é o fato de termos poucos vocalistas bons.

Como foi sua experiência com o Silverchair?

Isso aconteceu em 2004. Rolou o show deles no Credicard Hall, em São Paulo. Eu tinha que fazer a transmissão e a gravação. Eles iam transmitir pelo canal da Sony, mas em cima decidiram abortar isso. Decidi pegar o material e mixar no estúdio de qualquer forma. A coisa ia para o ar dois dias depois!

E como foi fazer o especial do Roberto Carlos?

Eu participei do especial três vezes. Duas vezes na Globo e uma vez no Cruzeiro! Ele faz shows assim e foi bem legal! Eu entreguei o material bruto para eles e parece que usaram de forma interna lá.

E como foi a história do perrengue no show do Lenny Kravitz?

Isso aconteceu na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Tinha tipo 1 milhão de pessoas e o Lenny Kravitz teve que vir de helicóptero e pousar em um barco! Tinham feito uma passarela do hotel para o palco, mas não teve como porque estava muito cheio. Aí, veio um cara para fazer a gravação e transmissão do show. Ele não conhecia alguns dos equipamentos e eu estava lá para gravar junto. O cara estava desconfiado de mim e ficava se perguntando se eu ia conseguir gravar tudo nos HDs. Eu disse que funcionava sim, sempre fiz isso.

Estávamos no contêiner e o ar-condicionado pifou! Ficamos morrendo de calor lá. Eu estava com um HD gravando os 48 canais e com o backup em fitas. O cara falou que conhecia as fitas e preferia ter elas como principal e o HD como secundário. O Lenny provavelmente iria refazer algumas coisas de guitarra no dia seguinte. Ele queria confiar nas fitas porque não sabia usar os HDs. Só que no meio do show as fitas começaram a parar por causa do calor. As primeiras que pararam eram os microfones de ambiência e a voz do Lenny! [risos].

Eu o cutuquei e mostrei as fitas. Disse que nesse calor não ia rolar as fitas. O cara entrou em desespero, mas eu falei que os HDs estavam gravando. Tentei trocar as fitas, mas não rolou. No final do show, ele quis ouvir o material e eu soltei uma gravação. Eles rodaram direitinho, o cara ouviu e viu que estava ótimo. Ele me chamou para ir no estúdio no dia seguinte. Tratei esses HDs como se fossem meus filhos! Embrulhei direitinho e tudo mais.

No dia seguinte, passou a van da galera do Lenny e me pegou para levar ao estúdio no Rio de Janeiro. Eu liguei o primeiro HD e estava com zero kbytes. Ou seja, tinha sumido tudo! Eu olhei para o cara incrédulo. Ele viu que eu tinha dado play. Ele disse: ‘Você deixou em cima da TV?’. Essas lendas, sabe? Mas eu não tinha feito nada disso. O outro HD também estava zerado e o Lenny ia chegar em meia hora para gravar. Então, cheguei no dono do estúdio e pedi ajuda. Trouxeram aqueles CDs de recuperação de dados. Passei no primeiro HD e recuperou! O segundo também! Conseguimos recuperar tudo e o cara começou a me abraçar! Ficou feliz da vida! O Lenny chegou e começou a refazer as guitarras. Fiquei até assistindo um pouquinho.

11 Fev 2023

Entrevista com Adriano Daga (Produtor, Engenheiro de Som e Baterista)

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