Marcelo Vasco é artista gráfico e já fez capas para bandas como Slayer e Kreator. Confira entrevista completa com ele abaixo!
Como surgiu seu interesse pela área do design de capas de discos? Quais artistas nessa área são referência para você?
Sempre curti desenhar desde criança. Gostava de lápis de cor e canetinha. Comecei a me interessar por enciclopédias de ciências, que mostravam esqueletos e tudo mais. Sempre me impressionaram! Depois, comecei a colecionar quadrinhos do Drácula e Conan, que têm ilustrações fodas! Isso me inspirou a criar monstros da minha cabeça. Era algo bem tosco ainda. Desenhava no colégio com meus amigos. Um amigo trouxe uma fita que tinha um monstro na capa. Era o Eddie do ‘Killers’, do Iron Maiden. Eu não tinha contato com metal ainda, foi na quarta série! Eu disse que desenharia sim. Pedi emprestado. A fita era do irmão mais velho dele. Fiz a besteira de botar pra tocar. Quando ouvi, fiquei maluco! Foi uma virada de chave. Comecei a me interessar por rock e metal a partir desse momento. Passei a prestar atenção nas capas. Minhas referências são várias. Tem o Dan Seagrave, que fez as capas do death metal dos anos 1980 e 1990. Outro mestre é o Giger, criador do Allien. Ele é suíço, adoro o trabalho dele. Esses são os melhores para mim. O Michael Whelan, que fez Sepultura e Obituary, é ótimo. O Larry Carroll, que fez as capas do Slayer, é uma referência. E o Derek Riggs, do Iron Maiden, que foi o que mudou minha chave!
Como iniciou a parceria com o Slayer? No caso da capa de “Repentless”, houve alguma orientação por parte da banda? Alguma história curiosa envolvendo esse processo criativo?
A parceria rolou por causa da Nuclear Blast. Eu já fazia muitos trabalhos para a gravadora. Falei com o presidente da Nuclear nos EUA, que é meu amigo, e disse que eu era fascinado pela banda. É minha banda favorita e se eu tivesse qualquer chance de mostrar meu trabalho para ele, pedi para me falar. Ele disse que ia me manter informado. Passaram uns meses, ele me escreveu e disse para eu mostrar serviço. Ele me passou o título do álbum: ‘Repentless’. Me passou algumas letras e conceitos. Ele, como eu, queria tentar resgatar algumas coisas oldschool da banda, conceitos das capas do Larry Carroll, que são maravilhosas. Uma mistura do ‘Reign in Blood’ com ‘South of Heaven’. Foi esse o ponto de partida para começar o trabalho. Comecei a trabalhar em quatro ou cinco rascunhos. Mandei eles para a banda. Eu só tinha contato com a Nuclear por enquanto. A banda gostou de um dos caminhos, comecei a fazer variações até que passei a falar direto com eles. A Nuclear tem o time gráfico e na real o contato é mais por e-mail. Na cópia tem todo mundo, empresários, banda etc. Todos acompanham o processo. Quem deu mais pitaco passou a ser a banda depois. Depois de estar bem avançada, trabalhamos apenas um detalhe ou outro. Um detalhe que não tinha e acabou entrando foi uma ideia do Tom Araya: colocar aquele símbolo do pentagrama deles atrás da imagem do cristo pegando fogo, como se fosse uma aureola de anjo, daquelas pinturas antigas renascentistas. Como se fosse um prato atrás da cabeça. Até hoje não acredito que fiz um trabalho para o Slayer! [risos].
Em “Gods of Violence”, do Kreator, como surgiu o convite e como você avaliou o feedback da banda? Algum ponto precisou mudar ao longo do processo?
Essa é uma banda que está no meu top 5. Adoro e foi escola para mim! O contato foi com a Nuclear Blast. Trabalhava muito para eles, sempre me chamavam. O Kreator estava assinado com eles. O curioso é que minha capa saiu na versão norteamericana. A europeia é outra capa, que não é minha. Quando eles me chamaram, queriam que eu trabalhasse nas artes das peças de merchandising, como moletom. Acabei desenvolvendo essa arte, que acabou virando a capa! Tentei pegar a mascote do Kreator e coloquei num ambiente meio Drácula de Bram Stoker. Eles curtiram tanto que resolveram usar para capa! Eles me deixaram bem livres e foi aceito na hora. Sem detalhes para ajustar.
Qual foi o trabalho que você mais se orgulhou de ter feito e por quê?
O que mais me orgulho é o Slayer. O ‘Repentless’. É minha banda favorita. Sou fanático e sempre foi um sonho trabalhar para eles. As pessoas me perguntavam qual banda gostaria de trabalhar. Sempre falava do Slayer. Nada está além. Era um sonho que não achava viável, porque eles sempre tiveram as capas feitas pelo Larry Carroll. Achava que nunca iam sair desse nicho. Até que rolou! Esse trabalho fez meu nome ir para um patamar de artista gráfico no mundo que nunca imaginei conquistar. Sinto orgulho de ter trabalhado com o Soulfly, do Max Cavalera. Eu amo muito o Sepultura também, foram minha escola.
Alguma capa dessas mais famosas que você já realizou você enfrentou algum tipo de bloqueio criativo? Poderia contar alguma história de algum trabalho que foi mais desafiador nesse sentido?
Não me lembro de nada nesse sentido, mas no caso do Slayer, me coloquei uma pressão alta por ser fã. Eu tinha medo de ficar decepcionado comigo mesmo. Foi um período de muito trabalho. Tinha que estar perfeito para todos os fãs, como eu, admirassem. A banda e a gravadora tinham que gostar. Demorou alguns meses para finalizar. Eu precisava conseguir o trabalho e fazer dar tudo certo.
Em algum de seus trabalhos mais famosos já aconteceu de você conseguir convencer a banda a mudar ou tomar um direcionamento novo em relação ao briefing? Ou seja, o quão livre o artista é para pensar em uma capa?
Na maioria das vezes, as bandas me passam o título, referências e letras. São caminhos infinitos. Posso interpretar de várias maneiras. 99% das vezes as bandas aceitam. Principalmente as maiores. Dependendo do projeto, proponho mais de uma ideia.
Como o fato de ser brasileiro influencia na sua arte? Em alguma das capas é possível ver alguma característica brasileira? Seja no estilo escolhido ou em algum elemento visual?
Acho que não influencia, porque minhas referências sempre foram gringas. Os artistas que admiro no Brasil são referências e me inspiraram e os trabalhos deles também são inspirações de fora. Não tem nada que diretamente remeta ao Brasil. Obviamente, temos nosso jeito de botar a coisa no papel. O metal é um estilo gringo, não adianta. Trazer um pouco do Brasil acho besteira, sendo bem honesto.
Suas capas costumam ser de bandas mais pesadas e extremas. Sabemos que o elemento visual é importante e precisa estar alinhado com a música. Qual a dica para fazer uma capa que represente esse som mais pesado? Algumas cores específicas precisam sempre estar, por exemplo?
Tenho uma tendência a cores mais quentes de maneira geral. É uma coisa natural em mim. Não penso em fazer. Simplesmente vou para esse caminho. Não é regra, uso várias paletas de cores, mas tendo ao vermelho, amarelo e laranja. Tipo fogo. Uma capa que tem essa vibe sempre me salta mais. Não sei explicar. Gosto também da simetria. Nas minhas capas, isso é importante. Uma capa de metal, por mais cheia de detalhes, se você olhar na prateleira, tem que entender de cara do que se trata. Tem capa com muita informação e pouco foco. Você não entende sobre o que aquilo diz. Você não precisa estudar a capa. O entorno do foco central deve ser algo de fácil absorção. Talvez seja o resquício da minha formação de designer gráfico. Tem a questão do clichê. Existem elementos corriqueiros no metal, principalmente extremo: caveiras, cruzes invertidas e simbologia ocultista. É o clichê que faz parte, importante para caracterizar o produto. Tento me distanciar dos clichês, mas persegue. As bandas vêm já com uma ideia de que aquilo precisa ser parte da capa.
Como surgiu a ideia para a nova logo do Kerry King?
Antes de baterem o martelo em relação a qual seria o nome da banda, tiveram outras possibilidades. Quando comecei a rascunhar as ideias, tudo estava vago. Não tinha nada oficial. O objetivo é que fosse um nome composto. Duas palavras, no caso. Houve esse interesse de desenvolver uma marca que fosse o uso das duas primeiras letras de cada palavra. E no meio uma cruz invertida. A ideia não era se chamar ‘Kerry King’ no começo. Nome é algo muito difícil, foram encontradas barreiras legais e burocráticas em relação aos outros nomes pensados. Por que não pensamos em Kerry King mesmo? Ele não queria que soasse como uma banda solo. Queriam uma conexão com o Kerry, que seria o ator principal do filme. Mas acabou ficando, porque nada seria mais objetivo do que isso. A pessoa entende na hora. Desenvolvi essa logo a partir de um rascunho junto com e equipe do selo. A ideia era ter a marca bem simples e direta – que fosse icônica e compreendida de cara. A marca tem que ser reconhecida sem a necessidade de as palavras ‘Kerry King’ estivessem presentes.
Você consegue identificar algum padrão que diferencie as solicitações de artes de bandas nacionais e internacionais? Algo que é mais prezado por aqui ou lá fora?
Isso é bem curioso. As bandas maiores gringas sempre me deixaram mais livres. Parece que confiam mais na interpretação do conceito do disco. Me passam letras que representem o trabalho e fico livre. Geralmente, chego com uma ideia rascunhada e eles já curtem. Não sei se é cultural. Eles são muito abertos e encaram a arte como arte mesmo. Se estão me contratando, é porque gostam e confiam no meu trabalho. Nada que a banda vai imaginar vai ser a mesma coisa que eu vou imaginar. É tipo o Leonardo da Vinci fazer a Monalisa e eu falar: ‘Por que você não muda esse olho? Não bota um chapéu?’ Ele mostrou o trabalho. Ou você acha bonito ou feio. Não é algo só técnico. Executar uma tarefa. Acho horrível isso e nunca pego trabalho assim. As bandas gringas dificilmente têm essa abordagem. Raríssimo. Já as bandas daqui costumam chegar com ideias muito concretas. Uma visão muito fechada artisticamente. Eles já imaginam como deve ser a capa ao invés de deixar o artista livre para criar e imaginar isso. É como se eu chegasse na música deles e falasse: ‘Muda esse riff. Não gostei’. É estranho, sou romântico em relação a isso. As pessoas têm direito de não curtir e não querer. O que acho estranho é chegar para o artista já cheio de muros e dedos. Não são todas, mas a maioria das bandas aqui é assim.
Quais as capas mais icônicas da história do rock e do metal na sua opinião e por quê?
Essa é difícil! São muitas que amo. Do metal, as capas clássicas do death e thrash metal dos anos 1980 e 1990. O Dan Seagrave é o grande culpado! [risos]. O primeiro do Dismembered, o ‘Altars of Madness’ do Morbid Angel. O ‘Beneath the Remains’ do Sepultura fez história. ‘To Mega Therion’ do Celtic Frost, feita pelo Giger, que é um mestre total. As capas do Slayer antigas são maravilhosas, especialmente do ‘Reign in Blood’. Gosto do ‘Ride the Lightning’ e outras do Metallica. O Dereck Riggs, do Iron maiden, é maravilhoso e fez capas lendárias! A capa do ‘Killers’ foi a responsável por me fazer conhecer metal e entrar no mundo das artes. Outras do rock são icônicas, como a do ‘Destroyer’ do Kiss e ‘Abbey Road’ dos Beatles. O ‘Nevermind’ do Nirvana também. Não são pinturas, mas vão atravessar gerações. A capa do ‘Holy Diver’ do Dio e a primeira do Black Sabbath também.