“Merda de banda, merda de equipamento, nenhum potencial comercial”. Fez até sentido quando um figurão da cena finlandesa usou essas carinhosas palavras para se referir àquele que seria o maior fenômeno da história da arte de seus país. Afinal, a vanguarda proposta pelo tecladista recém-saído do exército Tuomas Holopainen foi mesmo difícil de engolir em meados da década de 90.
Anos depois, alguns milhões de discos vendidos e até com o lançamento de um longa-metragem, a história é outra. O Nightwish não só colocou a Finlândia no mapa do entretenimento mundial como consolidou e trouxe respeito ao Symphonic Metal, subgênero que vinha engatinhando com alguns nomes de peso no cenário europeu como Therion e Rhapsody.
Os porquês desse fenômeno são muitos: o culhão de bancar Tarja Turunen, uma soprano lírica, como vocalista; a coragem de desapegar do folk e arriscar no terreno do Power Metal que o Stratovarius havia cultivado; a sutil, porém importantíssima guinada ao sinfônico a partir do “Century Child” (2002) e uma incomum constância no line up, que tem apenas três ex-integrantes em mais de vinte anos de carreira, dando consistência no som mesmo com as cruciais mudanças de vocalista.
Ao adentrar a discografia do mundo mágico de Tuomas, as referências encontradas serão muitas: Disney, Senhor dos Anéis, culturas exóticas, inocência, existencialismo e (infelizmente) até ciências biológicas. Vamos então entender o que esses oito álbuns têm de tão especial que transformaram os habitantes de uma pacata vila finlandesa em sucesso mundial.
Angels Fall First – Onde a Bela encontrou a Fera
A variedade temática e sonora de “Angels Fall First” é um sintoma da falta de direcionamento musical que afligia a banda no começo da carreira. Ao longo das nove faixas, passeamos com reis egípcios, filosofamos com Jesus Cristo, nos deparamos com contos de princesas e ninfomaníacas, descobrimos lendas do folclore finlandês e entendemos (ou não) porque os rouxinóis choram.
Também vemos claramente uma batalha entre a lenta veia acústica duelando com a velocidade frenética do Power Metal, trazendo mudanças repentinas de humor que a produção crua deixou transparecer ainda mais. Em outras palavras, é uma salada musical temperada com flautas, violões, riffs pesados e bateria bate e estaca com pedal duplo.
Por fim, sem opções para vocal masculino, Tuomas se arriscou nos microfones e o guitarrista Emppu gravou o baixo, já que o baixista Sami Vänskä só se uniria ao grupo no disco seguinte. Em meio a essas intempéries, porém, vemos algumas das melhores músicas da banda como o épico “Beauty And The Beast” e “Elvenpath”, a primeira homenagem do tecladista aos mundos fantásticos criados pelos seus escritores favoritos.
Metaforizando, “Angels Fall First” é como se Tuomas pulasse de um precipício e fosse descobrindo como fabricar o paraquedas no meio do caminho. Aquela proposta folk inicial está presente em “Lappiland”, mas os tiros da iniciante banda ainda sem musculatura de estúdio vão para todos os lados. Enquanto “Tutankhamen” traz aquela vibe oriente médio à la “Powerslave”, a ótima “Astral Romance” traz uma letra profunda e melancólica que aponta para o gótico.
E foi assim, em meio a um turbilhão de temas, emoções e diferentes propostas, que o Nightwish começou a trilhar seu caminho para fora dos pouco mais de dez mil habitantes de Kitee, a cidade natal que viu tudo começar, para o resto do país, da Europa e do mundo.
Tracklist:
ElvenpathBeauty and the BeastThe CarpenterAstral RomanceAngels Fall FirstTutankhamenNymphomaniac FantasiaKnow Wht The Nightingale SingsLappi (Lapland): I. ErämaajärviLappi (Lapland): II. WitchdrumsLappi (Lapland): III. This Moment is EternityLappi (Lapland): IV. Etiäinen
Oceanborn – Uma constelação de divina arquitetura
Em 7 de dezembro de 1998 as fundações do Symphonic Metal tremeram quando a Washburn Chicago Series 780 branca de Emppu Vuorinen e os Korgs N364 e IX 300 de Tuomas Holopainen se entrosaram na medida certa unindo toda a pompa do sinfônico com a agressividade fugaz do Power Metal, dando origem ao “Oceanborn”, um disco muito mais coeso e claramente influenciado por medalhões como o Stratovarius e The Gathering.
O disco, considerado por muitos o melhor da discografia dos finlandeses, levou Tarja Turunen ao limite de sua extensão vocal ainda sem muita segurança e presenteou o mundo com músicas como “Stargazers”, “Gethsemane” e “Devil And The Deep Dark Ocean”, esta com a participação do vocalista convidado Tapio Wilska, interpretando o devil da história.
O “Oceanborn” deu início a mais evidente dobradinha estética da banda, completada pelo subsequente “Wishmaster”. Essa fase, em que os sintetizadores sobrepujavam as orquestrações, teve, dentre os traços mais marcantes, o uso extensivo de solos e letras complexas com diversas camadas de entendimento. Vale a menção honrosa para a versão de “Walking In The Air”, uma linda balada de vibe natalina escrita por Howard Blake para o curta “The Snowman” (1982).
Tarja Turunen tirou sangue de pedra em passagens extremamente difíceis como a parte final de “Passion And The Opera”, que lembra muito o clássico “Die Zauberflöte” ou “A Flauta Mágica”, de Mozart. Já “Nightquest” entra com um surpreendente riff mais Hard Rock e tem uma das letras mais mirabolantes que Tuomas já escreveu, versando sobre menestréis, rainhas da noite, buscas pelo passado e dando lições de moral à la carpe diem: “Esqueça as obrigações e curta a viagem/E nos siga através da noite”.
“Oceanborn” não é um disco de fácil digestão: a todo momento são mudanças de atmosfera, riffs e solos intercalados com vários versos e muitas passagens instrumentais. Porém, ao contrário de seu precursor, os temas e arranjos sonoros são muito bem amarrados, mostrando uma evolução absurda em nível de composição e abandonando de vez qualquer faceta acústica. Era o amadurecimento que a banda precisava, e veio na hora certa.
StargazersGethsemaneDevil & The Deep Dark OceanSacrament of WildernessPassion and the OperaSwanheartMoondanceThe RiddlerThe Pharaoh Sails to OrionWalking in the Air
Wishmaster – Uma jornada para a mente do contador de histórias
Ao analisarmos sob a lupa da história, as 75 semanas que separam o lançamento de “Oceanborn” e “Wishmaster” não foram suficientes para Tuomas desapegar de certos trejeitos que vinham marcando suas composições: estão lá os solos de sintetizador, músicas velozes como “Crownless” e “Wanderlust” e muita variação de atmosfera nos arranjos. Mas o terceiro disco da banda está longe de ser uma mera sombra de seu precursor…
Para começar, a música que dá nome ao álbum é a terceira mais tocada ao vivo da história da banda, perdendo apenas para os dois mega hits “Nemo” e “Wish I Had An Angel”. A canção, aliás, é um espetáculo à parte, com um refrão marcante, letra com passagens de “O Senhor dos Anéis” e um solo conjunto de Emppu e Tuomas de tirar o fôlego.
Fã incondicional da Disney e seus personagens, nosso tecladista resolveu traduzir essa afeição na música “FantasMic”, que conta até com um trecho falado do personagem Fera do filme “A Bela e a Fera” (1991). A música é uma grande aventura dividida em três partes com verdadeiros trava-língua que com certeza deram muito trabalho para Tarja se acostumar a cantar.
O disco ainda traz passagens memoráveis como a introdução frenética de “The Kinslayer” (música sobre o massacre na escola de Columbine, nos EUA) e o refrão de “She Is My Sin”, música que fala sobre amor e desejo sexual, tema aliás que é uma constante na cabeça de Tuomas, vide “Come Cover Me”, do próprio “Wishmaster”, e outras como “Nymphomaniac Fantasia”, do primeiro disco “Angels Fall FIrst”.
“Wishmaster” marca o fim da era Power Metal, com Tuomas pendurando os sintetizadores e abrindo espaço para seus devaneios sinfônicos. Outra tendência iria ser instaurada: o Nightwish nunca se propôs até então a ser uma banda comercial, salvo um clipe ou outro, um single ou outro, e a tônica sempre foi “fazer música honesta”, sem preocupação evidente em se adaptar para o mercado.
A partir do vindouro “Century Child”, porém, vemos importantes mudanças de postura como o primeiro clipe decente (“Bless The Child”) e uma faceta mais comercial, com músicas de fácil digestão, como por exemplo “Ever Dream”. Mas isso é história para o próximo capítulo.
She Is My SinThe KinslayerCome Cover MeWanderlustTwo For TragedyWishmasterBare Grace MiseryCrownlessDeep Silent CompleteDead Boy’s PoemFantasMic
Century Child – A inocência renascida mais uma vezEm 2002, então com 25 anos de idade, era hora de Tuomas olhar para trás e se debruçar sobre o tema da criança, da inocência e sobre sentimentos mais obscuros que habitam nossas almas. Certamente o disco mais sofrido e emotivo da banda, o “Century Child” é o primeiro a ter uma temática muito bem definida e marca de vez o afastamento do Power Metal e a guinada ao sinfônico. A título de curiosidade, a palavra “Child” aparece 21 vezes ao longo das dez composições e a palavra “Innocence” ocorre em 8 ocasiões.Para uma banda que sempre teve uma fan base gótica, estava faltando um prato cheio para aqueles dias de bad. Baladas como “Ocean Soul” e “Forever Yours” mostram uma nítida evolução na voz de Tarja enquanto “Dead To The World” (a única com resquícios da velocidade do passado) e “End Of All Hope” nos apresentam a um simpático barbudo que assumiria os vocais masculinos e o baixo da banda: Marco Hietala.A adição do veterano finlandês de 1.88 metro possibilitou ao Nightwish belíssimos duetos e contrapontos ao soprano de Tarja. Com Sami Vänskä afastado das quatro cordas, o baixo saiu debaixo do tapete e ganhou destaque, como em “Feel For You”, uma música sobre a descoberta do amor carnal que começa com um riff de contrabaixo cheio de efeito. Outro destaque é o cover de “The Phantom Of The Opera”, que Tarja revelou não ter gostado do resultado.Vale a menção de “Beauty Of The Beast”, a primeira música da banda que ultrapassou os dez minutos de duração e sintetizou bem todo o disco ao longo de suas três subdivisões. Um dos grandes méritos de “Century Child” foi reconhecer que a fórmula estava gasta e não havia espaço para um Oceanborn 3.0. Ao romper esteticamente com o que vinha sendo feito, a banda cimentou as fundações para o que seria o maior sucesso comercial de suas carreiras: o álbum “Once”.
Bless The ChildEnd Of All HopeDead To The WorldEver DreamSlaying The DreamerForever YoursOcean SoulFeel For YouPhantom of the OperaBeauty of the Beast
Once – Uma vez eu tive um sonho, e este é ele…
Tanto o percussionista Paul Clarvis (dono dos tambores de “Creek Mary’s Blood”) quanto o violoncelista Anthony Pleeth (dono do belíssimo solo em “The Siren”) e até mesmo o citarista Sami Yli-Sirniö (por trás das cítaras de “Ghost Love Score”) podem se orgulhar de ter contribuído de alguma forma para o magnum opus do Nightwish, que trouxe as melodias de Tuomas e cia para o mainstream e enfileirou sucesso atrás de sucesso transformando uma banda mediana em verdadeiro fenômeno mundial.
Se por um lado “Nemo” e “Wish I Had Na Angel” popularizaram o som e colocaram a banda na frente de Avril Lavigne e Linkin Park no finado Disk MTV, verdadeiras aulas de composição como “Ghost Love Score” e “Creek Mary’s Blood” não deixaram o lado pomposo e “honesto” de lado, sempre com a contribuição certeira da Orquestra Filarmônica de Londres.
“Dark Chest of Wonders”, “The Siren” e “Planet Hell” seguiram bem esse inescapável aspecto comercial de “Once”, com belos refrãos e o dueto Tarja & Marco funcionando impecavelmente nas duas últimas. Duas músicas ainda chamam a atenção pela crueza das guitarras e a capacidade de ir direto ao ponto: “Dead Gardens” e “Romanticide”. Emppu abaixou a afinação de seu instrumento no disco, possibilitando a entrega de riffs graves que não costumavam ser a tônica da banda.
Todos que contribuíram de alguma forma com “Once” podem se orgulhar de ter ajudado a criar o disco mais importante do Nightwish, que culminou com a trágica expulsão de Tarja Turunen da banda e o início de uma nova era. A banda nunca iria experimentar outro grau de popularidade como naquele 2004, e ter os olhos do mundo voltados para o Nightwish fez com que o próprio metal sinfônico ganhasse notoriedade e respeito, servindo de exemplo e influência para bandas que viriam a seguir.
Dark Chest of WondersWish I Had Na AngelNemoPlanet HellCreek Mary’s BloodThe SirenDead GardensRomanticideGhost Love ScoreKuolema Tekee TaiteilijanHigher Than Hope
Dark Passion Play – Toda a poesia no mundo finalmente faz sentido para mim (será?)
Quando a sueca Anette Ingegerd Olsson Blyckert ou simplesmente Anette Olzon assumiu os vocais do Nightwish substituindo o clássico/lírico de Tarja por uma voz mezzo soprano doce e pop, as possibilidades musicais se tornaram infinitas. “Dark Passion Play”, por isso mesmo, foi uma grande reviravolta para a banda e muitos fãs torceram o nariz para a nova vocalista. Anette fez o que pôde com músicas que foram escritas com a banda sem saber ainda quem assumiria os microfones. “Cadence of Her Last Breath” é um exemplo de música que claramente não foi composta pensando no alcance da sueca, obrigando Anette a cantar notas muito altas principalmente no refrão.
Por outro lado, “The Poet And The Pendulum” mostrou uma banda madura no aspecto da composição, sabendo intercalar momentos e ambientações distintos para tornar esse épico de quase 14 minutos em uma aula de produção e bom gosto. Anette teve, é verdade, seus ótimos momentos, como na delicada balada “Eva” e em “Meadows of Heaven” (que conta com um surpreendente coral de música gospel). Ainda surfando na vibe mainstream, “Amaranth” veio como um single simples que foi a primeira música da banda a ultrapassar 100 milhões de views no YouTube (lembrando que na época do “Once” a plataforma de vídeos não existia).
“Bye Bye Beautiful” é o tragicômico nome de uma música direcionada para Tarja, que conta a versão de Tuomas para a separação: “Não é a árvore que abandona a flor, mas a flor que abandona a árvore”. E “Master Passion Greed” foi mais uma sonora agressão à ex-vocalista, insinuando que Tarja queria apenas dinheiro e não se importava mais com o lado artístico da coisa. Afora a lavação de roupa suja, músicas como “Sahara” e “7 Days To The Wolves” deram consistência para um disco cheio de altos e baixos, com ótimos riffs de teclado e letras sobre mil e uma noites e baseadas na série de livros “A Torre Negra”, do escritor americano Stephen King.
Algumas composições ficaram bem abaixo da média, como “Whoever Brings The Night” e “For The Heart I Once Had”. Um caso raro de composição que Tuomas dividiu os créditos está nesse disco: “The Islander”, composta também por Marco Hietala e que mostra que o gigante finlandês não ficou órfão de dueto, colocando Anette para intercalar os belos versos dessa balada, que ainda conta com Troy Donocley nas flautas (músico que viria a ser membro efetivo do Nightwish anos depois).
Por fim, “Dark Passion Play” é como se fosse um novo “Angels Fall First”: iniciou uma era, ainda sem muita segurança em certas músicas e servindo de escada para o que viria a seguir. E nesse caso, o que viria a seguir é nada menos do que “Imaginaerum”, um disco que ousou ir além da própria música e sacramentou o Nightwish como expoente máximo do metal sinfônico mundial.
The Poet And the PendulumBye Bye BeautifulAmaranthCadence of Her Lasdt BreathMaster Passion GreedEvaSaharaWhoever Brings the NightFor The Heart I Once HadThe IslanderLast of the Wilds7 Days to the WolvesMeadows of Heaven
Imaginaerum – A voz da Terra do Nunca
Um interlúdio circense de deixar Danny Elfman embasbacado, um slow jazz elegante e profundo (Eu me pergunto / Eu te amo, ou amo o que penso de você?) e outro colosso de quase 14 minutos que versa, dentre outros temas, sobre uma enigmática mudança de acordes (E lá para sempre permanece a mudança de sol para mi menor). Essas descrições não-ortodoxas se referem respectivamente a “Scaretale”, “Slow, Love, Slow” e “Song Of Myself” e ajudam a compreender a complexidade musical e temática que permeia todo o track list de “Imaginaerum”, um disco que transcendeu a música e ganhou até filme interpretado pelos membros da banda.
Sem largar o osso do mainstream, “Storytime” e “Last Ride Of The Day” mostram uma faceta comercial, porém cheia de energia e vibração, levando o álbum para um astral positivo pouco visto na discografia dos finlandeses. Para satisfazer os anseios dos ávidos por temas mais reflexivos, “Turn Loose The Mermaids”, “Rest Calm” e a incrível “The Crow, The Owl and the Dove” são obras que apresentam o lado mais encantador de Anette e mostram uma vocalista totalmente adaptada aos trejeitos musicais de Tuomas.
“Imaginaerum” tem como espinha dorsal o tema da fantasia e uma certa relação com sentimentos inconscientes, revisitando o tema fantástico que sempre esteve presente em diversas ocasiões ao longo dos discos anteriores. Troy e suas flautas são responsáveis por passagens memoráveis como em “I Want My Tears Back” e Emppu sai do armário no clima bem rock and roll de “Ghost River”. Mesmo com o guitarrista atuando bem menos do que em discos como “Oceanborn” ou “Wishmaster”, as seis cordas dividiram bem o espaço com as orquestrações e com as flautas de Troy, discretas e acertadas.
O sétimo disco dos finlandeses leva na arte da capa o início de uma montanha russa com a queda iminente e desconhecida pela frente. Talvez essa imagem seja a melhor para exprimir o ideário do álbum. Longe de apresentar a metáfora rasa dos altos e baixos do tradicional brinquedo dos parques de diversão, o que vemos são diferentes alturas/níveis que deixam o ouvinte sempre na expectativa do que vai acontecer.
São muitas influencias que convergiram e somaram, botando para conversar gêneros como o jazz, passando por intensas baladas, música oriental e a interpretação digna de Oscar de Anette em “Scaretale” (Squeeeeealing Pigs!”). Uma pena que esse viria a ser o derradeiro disco com sua presença, pois o Nightwish iria trocar de novo de vocal para o próximo lançamento…
TaikatalviStorytimeGhost RiverSlow, Love, SlowI Want My Tears BackScaretaleArabesqueTurn Loose the MermaidsRest CalmThe Crow, The Owl And The DoveLast Ride of the DaySong of MyselfImaginaerum
Endless Forms Most Beautiful – Todas as infinitas formas mais belas (ou não)
Eis um fato sobre a música: ela nos acompanha em diversas situações e humores, seja embalando a felicidade de um grande amor, uma triste melodia que faz você superar um dia difícil, um background pulsante ao dirigir uma longa estrada ou uma letra bem animada numa noitada daquelas. Agora sejamos francos: é muito mais difícil uma pessoa fazer essa conexão profunda com músicas cujo tema varia entre células eucariontes, DNA e complexas teorias sobre a origem da vida na Terra.
“Endless Forms Most Beautiful”, primeiro registro dos finlandeses com Floor Jansen nos vocais (no lugar de Anette em mais uma traumática troca de vocalista), Troy Donockley nas flautas e afins e Kai Hatho na bateria (substituindo provisoriamente Jukka que pediu afastamento para tratar da insônia) é uma obra de divulgação científica com pequenas visitas fora da temática biológica como em “Edema Ruh”, sobre o livro “Em Nome do Vento” de Patrick Rothfuss e “Our Decades In The Sun”, uma bonita, porém não genial balada sobre a relação pais e filhos.
Floor tem um enorme potencial já demonstrado no After Forever e ReVamp, mas Tuomas, que tinha uma Ferrari nas mãos, resolveu andar em velocidade de Fusca e o resultado foi uma espécie de anetização da cantora holandesa.
A sucessão de erros não para por aí: Emppu, cada vez menos explorado, é praticamente um coadjuvante nas músicas e uma indigesta “The Greatest Show On Earth”, com quase 24 exagerados minutos de duração, fecha o disco de maneira problemática.
Um momento positivo ficou por conta da abertura “Shudder Before The Beautiful” que tem uma semelhança com o “Oceanborn” e mostra apreço pelas melodias, além de um solo no estilo duelo entre teclado e guitarra. O single “Élan” é feito para dar musculatura ao Troy e não chega a ser ruim, mas é tão água com açúcar e com temática tão esquisita que demora para pegar.
Por fim, a culpa pelo fracasso do disco não é de Floor, nem de Emppu e nem de Troy, e sim de Tuomas, que resolveu explorar um terreno musical de difícil assimilação, mergulhando a banda numa nebulosa de pouca inspiração que ficou lá embaixo na escala da evolução.
Shudder Before the BeautifulWeak FantasyÉlanYours is an Empty HopeOur Decades In The SunMy WaldenEndless Forms Most BeautifulEdema RuhAlpenglowThe Eyes of Sharbat GulaThe Greatest Show On Earth
Human :: Nature - A volta por cima em grande estilo
Fosse a música uma Universidade, os finlandeses do Nightwish resolveram dar o braço a torcer e aceitar o resultado do teste vocacional feito anos atrás quando a banda era um adolescente vestibulando: abandonaram a complicada cadeira de Biologia que foi mais um amor de verão do que uma vocação, cursada durante o fraco “Endless Forms Most Beautiful”. Nesse ano letivo, se matricularam em Antropologia, já pensando no título da dissertação de mestrado: “As relações entre as culturas humanas, o mundo ao redor e a natureza”. “Human :II: Nature”, o nono disco do sexteto, foi feito com a mente de Tuomas Holopainen renderizando em 100% de sua capacidade, sabendo explorar o melhor dos três vocalistas Troy, Floor e Marco e entregando uma obra que consegue se conectar perfeitamente com o ouvinte, balanceando inteligência, sofisticação e originalidade.
“Music” abre o disco duplo de maneira grandiosa, com uma melodia intensa e profunda, mostrando a evolução e versatilidade notável de Floor Jansen. Já “Noise” é aquele tapa na cara da sociedade hiperconectada, com um riff de teclado que lembra a abertura de Game of Thrones e letra que poderia ser um roteiro de “Black Mirror”. Já fica claro que os pontos fortes do disco são o formidável trabalho das vozes, as melodias que tanto notabilizaram a banda, e os arranjos de piano e suas variações. Mas mais do que isso, a história e a intenção do álbum transparecem nas faixas, uma ode ao progresso humano desde as cavernas até os dias de hoje. Uma aventura musical que é perfeitamente aceitável dentro do grande leque semântico que a banda abriu lá no primeiro disco e já desfilou por diversos temas até desembocar aqui.
“Shoemaker” massageia a memória de quem cresceu com os agudos da Tarja no ouvido. Finalmente, depois de anos a fio, o Nightwish voltou a usar os poderosos agudos líricos. “Pan” inicia com os teclados que lembram um pouco “Imaginaerum” e o grande destaque é o coro que reitera os bons momentos relacionados ao canto no disco. Por outro lado, as guitarras mais uma vez se restringem à riffs e escassos solos. Até mesmo as criticadas flautas de Troy diminuíram sua presença, sendo que o inglês foi muito melhor aproveitado como vocalista em “Harvest”, a ala dos agricultores do grande desfile de “Human :II: Nature”. Como Tuomas explicou, o disco 1 é o lado “Human” da história, e o disco 2 é o lado “Nature”. Sobre essa segunda parte, trata-se de uma música instrumental apenas chamada “All The Works Of Nature Which Adorn The World” que é dividida em 8 partes com destaques para ocasiões em que o violoncelo lembra Apocalyptica e o final com a declamação do famoso texto do cientista Karl Sagan chamado “Pale Blue Dot”. Ademais, poderia ser um pouco menor e não se compara com a parte 1.
Quem acha que o disco é sobre a humanidade deteriorando a natureza, engana-se redondamente. O clima é sempre positivo e esperançoso. “How’s The Heart”, por exemplo, a remanescente da pegada folk de Troy, tem um refrão bonito e sensível, enquanto “Tribal” é uma das que mais surpreende com Kai Hahto transformando sua bateria em um instrumento de conexão com o religioso e Marco Hietala interpretando uma espécie de oração primitiva. Já “Procession” começa com uma ambientação eletrônica ancorada no sintetizador, mas logo se revela uma espécie de balada, ou pelo menos é a que mais chega perto de cumprir esse papel no disco. Por fim, “Endlessness” foi a escolhida para Marco brilhar sozinho, mas sem a agressividade típica de seus vocais e sim com uma suavidade que embala a música e emociona quem estava ávido por ouvir a voz do gigante barbudo.
Ao abandonar o rio que passou em sua vida e se entregar de corpo e alma em uma história grandiosa e que vale a pena ser contada, Tuomas acertou a mão e explorou o melhor dos seus companheiros de banda (com exceção novamente de Emppu). O elemento principal, no entanto, a ser destacado aqui, é a coragem, a ambição e a ousadia de entregar músicas diferenciadas, que fujam bastante de uma estrutura quadrada, algo que “Imaginaerum” soube fazer com maestria e que, agora, fez-se presente novamente. Por fim, para reflexão, fica a frase declamada em uma das 8 faixas do disco dois, escrita por Lord Byron em 1826: “Amo não menos o homem, mas mais a natureza”.
Disco 1MusicNoiseShoemakerHarvestPanHow´s the Heart?ProcessionTribalEndlessnessDisco 2All the Works of Nature Which Adorn the WorldVistaThe BlueThe GreenMoorsAuroraeQuiet as the SnowAnthropoceneAd Astra